O que o STJ tem decidido sobre Alienação fiduciáriaVoltar
11/02/2015
1) As Terceira e Quarta Turmas do STJ pacificaram o entendimento de que a transferência de veículo gravado com propriedade fiduciária, à revelia do credor, é ato de cladestinidade incapaz de motivar a posse (artigo 1.208 do Código Civil de 2002), sendo, portanto, impossível a aquisição do bem por usucapião. (Exemplo: Resp 881.270).
De acordo com o Ministro Luis Felipe Salomão, o entendimento pacificado pelas duas Turmas de Direito Privado do STJ freia o uso indiscriminado do instituto do usucapião: “A prosperar a pretensão deduzida nos autos – e aqui não se está a cogitar de má-fé no caso concreto –, abrir-se-ia uma porta larga para se engendrar ardis de toda sorte, tudo com o escopo de se furtar o devedor a pagar a dívida antes contraída. Bastaria a utilização de um intermediário para a compra do veículo e a simulação de uma “transferência” a terceiro com paradeiro até então “desconhecido”, para se requerer, escoado o prazo legal, o usucapião do bem”.
Alerta, ainda, que, como nos contratos com alienação fiduciária em garantia o desdobramento da posse e a possibilidade de busca e apreensão do bem são inerentes ao próprio contrato, a transferência da posse direta a terceiros deve ser precedida de autorização porque modifica a essência do contrato, bem como a garantia do credor fiduciário.
A Primeira Turma entende que o registro do contrato de alienação fiduciária no Cartório de Títulos e Documentos, previsto na Lei de Registros Públicos, não permite a transferência da propriedade do bem, procedimento tendente a emprestar publicidade e efeito ao ato. (REsp 686.932).
O Ministro Luiz Fux destacou que o registro no licenciamento do veículo é mais eficaz do que a mera anotação no Cartório de Títulos e Documentos, contudo, observou que a exigência de registro em Cartório do contrato de alienação fiduciária não é requisito de validade do negócio jurídico. Para as partes signatárias, o acordo entre as partes é perfeito e plenamente válido, independentemente do registro, que, se ausente, traz como única consequência a ineficácia do contrato perante o terceiro de boa-fé.
2) Outra questão sobre o tema que foi submetida ao crivo do STJ, a Terceira Turma sinalizou positivamente quanto à possibilidade do consumidor exercer o direito de arrependimento nas compras que faz, após a assinatura de contrato de financiamento com cláusula de alienação fiduciária. Na decisão, o colegiado aplicou as normas do consumidor à relação jurídica estabelecida entre um banco e um consumidor de São Paulo.
in casu, um banco ingressou com pedido de busca e apreensão de um veículo pelo inadimplemento do contrato de financiamento firmado com o consumidor. Este alegou que exerceu o direito de arrependimento previsto no artigo 49 do Código do Consumidor e que jamais teria se imitido na posse do bem dado em garantia. O Tribunal de Justiça estadual entendeu que a regra era inaplicável no caso, pelo fato de o código não servir às instituições financeiras.
Segundo a Ministra Nancy Andrighi, o consumidor assinou dois contratos, o de compra e venda com uma concessionária de veículos e o de financiamento com o banco. Após a assinatura do contrato de financiamento, ocorrido fora do estabelecimento bancário, o consumidor se arrependeu e enviou notificação no sexto dia após a celebração do negócio.
“De acordo com o artigo 49, o consumidor tem sete dias a contar da assinatura do contrato para desistir do negócio, quando a contratação ocorrer fora do estabelecimento comercial.”, acrescentou.
3) A Quarta Turma manteve decisão do REsp 1.141.006, que rejeitou a alegação de ilegitimidade passiva do banco em ação proposta por um espólio e negou pedido de denunciação à lide de uma seguradora, pois entende que empresas de seguros não podem ser responsáveis pela liquidação de sinistro junto ao banco.
O Ministro Luís Felipe Salomão entende que não há vínculo contratual nem legal entre as duas pessoas jurídicas, portanto, não há que se falar em direito do banco de se ressarcir da seguradora.
“Portanto, não se trata aqui de garantir direito de regresso do denunciante em face da denunciada, pois a seguradora não está obrigada, seja por lei, seja por contrato, a garantir o resultado da demanda. Os fundamentos que levaram a seguradora, que, repita-se, firmou contrato apenas com a autora, a negar o pagamento do prêmio, sequer estão sendo discutidos na defesa da ação principal”, destacou.
4) O REsp 1.014.547 reformou acórdão do Tribunal de Justiça do Distrito Federal (TJ/DF) que condenou um banco em processo envolvendo a compra de um automóvel, sendo que a Quarta Turma decidiu que a instituição financeira não seria responsável pela qualidade do produto adquirido por livre escolha do consumidor mediante financiamento bancário.
O Ministro João Otávio de Noronha ressaltou que não é licito ao devedor rescindir o contrato e reaver as parcelas pagas de financiamento assegurado por alienação fiduciária, alegando defeito no bem adquirido. De acordo com seu voto, em que pese o artigo 18 do Código de Defesa do Consumidor (CDC) admita a rescisão do contrato de compra e venda de veículo usado, o mesmo não ocorre com o contrato de mútuo, vez que a instituição financeira não pode ser tratada como fornecedora do bem que lhe foi ofertado como garantia de financiamento.
O Ministro destaca que o contrato de financiamento não é acessório do contrato de compra e venda, já que os contratos não se vinculam nem dependem um do outro. Com esses argumentos, acolheu o recurso para declarar o contrato celebrado entre as partes válido e eficaz em todos os seus efeitos.
5) Os negócios de compra e venda e de mútuo com garantia de alienação fiduciária são autônomos, devendo o banco ser excluído da ação relativa ao primeiro ajuste do qual não participou, ou seja, a instituição financeira que financia a compra de veículo não pode ser acionado pelo antigo dono em razão de o comprador ter deixado de transferir o bem e não pagar débitos fiscais e multas posteriores à transação. Este entendimento foi firmado pela Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ). (REsp 1.025.928)
O Ministro Massami Uyeda entende que a obrigação de transferir o veículo envolve a transação de compra e venda, da qual o banco não tomou parte, razão pela não deve ser incluído na ação. Em contrapartida, o registro de alienação fiduciária diz respeito ao negócio de mútuo, do qual o autor não tomou parte. Nesse caso, ele não poderia tentar responsabilizar a financeira por débitos incidentes sobre o veículo após a venda.
“O fato de o banco ter pagado o financiamento diretamente ao autor não altera a autonomia dos dois negócios jurídicos, que poderiam ter sido feitos até mesmo em épocas diferentes. A falta dos registros junto ao Detran não interferiria no caso, já que tais atos teriam origem em negócios jurídicos dos quais em nenhum momento foram partes, simultaneamente, o banco e o autor”, acrescentou.
6) Consumidor que compra um veículo, deixa de pagar as parcelas do financiamento e entra com ação revisional alegando a existência de cláusulas abusivas para impedir que o bem financiado seja apreendido. A Quarta Turma concedeu liminar de busca e apreensão em favor de uma financeira. (Resp 1.093.501)
O Ministro João Otávio de Noronha crava seu posicionamento que não deve prevalecer a tese de que a probabilidade da existência de cláusulas abusivas no contrato bancário com garantia em alienação fiduciária tenha o condão de desqualificar a mora já constituída com a notificação válida, para determinar o sobrestamento do curso da ação de busca e apreensão, esvaziando o instituto legal do Decreto-Lei n. 911/69.
“No caso, os autos atestam que a mora do devedor foi comprovada mediante notificação. Ainda que assim não fosse, cumpre observar que não há conexão nem prejudicialidade externa entre a ação de busca e apreensão e a revisional, porquanto são ações independentes e autônomas nos termos do artigo 56, parágrafo 8º, do Decreto-Lei 911/69”, ressaltou.
Outra peculiaridade sobre esta questão esta no Resp 251.427, na qual a Terceira Turma entendeu que maquinários móveis fixados artificialmente ao solo não podem ser considerados bens imóveis para efeitos de alienação fiduciária.
De acordo com o Ministro Carlos Alberto Menezes Direito, a matéria encontra amparo no artigo do Código Civil que trata dos bens tidos como imóveis por acessão intelectual, ou seja, aqueles que por vontade do proprietário passam de móveis a imóveis para evitar que sejam separados deste.
7) A Segunda Turma entendeu ser possível a incidência de penhora sobre os direitos do executado no contrato de alienação fiduciária, ainda que futuro o crédito. (REsp 910.207)
De acordo com o entendimento do Ministro Castro Meira, é inviável a penhora sobre bens garantidos por alienação fiduciária, pois estes não pertencem ao devedor-executado, que é apenas possuidor, com responsabilidade de depositário, mas à instituição financeira que realizou a operação de financiamento. Entretanto é possível recair a constrição executiva sobre os direitos detidos pelo executado no respectivo contrato.
“O devedor fiduciante possui expectativa do direito à futura reversão do bem alienado, em caso de pagamento da totalidade da dívida, ou à parte do valor já quitado, em caso de mora e excussão por parte do credor, que é passível de penhora, nos termos do artigo 11, inciso VIII, da Lei das Execuções Fiscais, que permite a constrição de ‘direitos e ações’”, afirmou.
8) No julgamento do REsp 1.287.402, a Quarta Turma firmou entendimento de que se houver inadimplemento em contrato de empréstimo garantido com alienação fiduciária, cabe ao credor requerer a busca e apreensão do bem alienado, que deverá ser deferida liminarmente, pois a posse do bem fica com o devedor, mas a propriedade é do credor, conforme determina a lei (Decreto-Lei 911/69). Após cinco dias da execução da liminar, o credor passará a ser o exclusivo possuidor e proprietário do bem (propriedade e posse do bem serão consolidadas no patrimônio do credor).
Conforme posicionamento do Ministro Antonio Carlos Ferreira acerca do tema, no prazo de cinco dias após a busca e apreensão, o devedor tem direito à restituição, porém, será necessário o pagamento da integralidade da dívida indicada pelo credor na inicial, hipótese em que o bem será restituído livre de ônus.
De acordo com o ministro, este é o endentimento que a Egrégia Corte vem adotando em relação à alteração decorrente da Lei 10.931/04, que modificou o artigo 3º, parágrafo 2°, do Decreto-Lei 911/69 (“No prazo do parágrafo 1º, o devedor fiduciante poderá pagar a integralidade da dívida pendente, segundo os valores apresentados pelo credor fiduciário na inicial, hipótese na qual o bem lhe será restituído livre do ônus.”), em prol da segurança juridica.