Do Sincretismo ProcessualVoltar

11/02/2015


As Leis 11.187/05, 11.232/05, 11.276/05, 11.277/06 e 11.280/06 provocaram a mais recente reforma no processo civil, visando o cumprimento da celeridade processual, sobretudo no que se refere à execução da sentença e a simplificação desta. Neste estudo serão expostas algumas alterações trazidas, sobretudo pela Lei nº 11.232/05, que determinou que a fase de execução – cumprimento da sentença – se daria após a sentença no processo cognitivo, e revogou disposições sobre a execução autônoma; e uma visão geral sobre o sincretismo processual.
O Código de Processo Civil divide os tipos de processos em três grupos, quais sejam o processo de cognição, processo cautelar e processo executivo.
O processo cautelar visa a tutela jurisdicional para garantia do processo principal. É aquele destinado às medidas mais urgentes, e tem por finalidade assegurar o objeto da demanda de possível ameaça de perigo ou prejuízo irreparável ou de difícil reparação.
O processo de conhecimento, ou de cognição, é aquele que objetiva a tutela jurisdicional cognitiva, ou seja, que reconhece ou não a existência de um direito pleiteado pela parte autora. Faz-se por meio da sentença de mérito passível de recurso e, caso haja recurso, o acórdão substitui a sentença.
No processo executivo também se desenvolve uma tutela jurisdicional, esta chamada de executiva. É a tutela para a efetivação, materialização, do direito reconhecido na sentença do processo cognitivo, e sua realização prática.
O Código de Processo Civil apresentava estes dois tipos de processo em apartado, de forma que após ter sua pretensão reconhecida, a parte vencedora deveria dar início a um outro processo, em regra, num outro juízo. Esta dinâmica já vinha sendo muito criticada, tendo em vista a quantidade de ações em constante crescimento, bem como da eficácia da fase de cumprimento de sentença.
Para identificarmos a problemática descrita, deve ser considerado o conceito de processo. Segundo Humberto Theodoro Junior, “processo é o método, isto é, o sistema de compor a lide em juízo, através de uma relação jurídica vinculativa de direito.”
Depreende-se deste conceito a clara idéia de que o processo nada mais é do que a aplicação, a instrumentalização do direito material. Por tratar-se de ferramenta instrumental, o processo, em primeiro lugar, deve ser claro e conciso; deve trazer ao juízo o conflito de forma pragmatizada e organizada, tendo como principal escopo a satisfação da parte, que se traduz na eficiência e na celeridade dos procedimentos.
Com o objetivo de otimizar o tempo das ações ativas, e visando atender aos “consumidores” do judiciário, é que foram promulgadas as Leis que deram incoação à mais recente alteração no sistema processual, trazendo à tona uma verdadeira revolução no que tange a execução das sentenças.
Com o Código de Processo Civil atual, algumas ações executivas ainda se desenvolvem no processo executivo, configurando ação autônoma como era antes da reforma, mas a maioria delas desenvolve-se no próprio processo de cognição, formando uma nova fase deste. Até a coisa julgada material, o processo permanece em seu fluxo habitual e, depois dela, dá-se o cumprimento da sentença, ou fase executiva.
Como já é dito, algumas sentenças ainda exigem a formação do processo de execução para seu cumprimento, quais sejam: a. Condenatória Penal; b. Sentença Arbitral e c. Sentença Condenatória Estrangeira. Além destes, os processos fundados em títulos executivos extrajudiciais não sofreram alterações, e o motivo é simples: a reforma processual visa à eficácia do cumprimento da sentença e, tendo em vista que o título executivo extrajudicial já é líquido e certo, prescinde de fase anterior que o reconheça, mantendo somente a sua fase executória.
Nos demais procedimentos, até a coisa julgada material realiza a tutela cognitiva. No restante do procedimento, realiza-se a tutela executiva, configurando, ao todo, o Processo Sincrético.
Sincretismo, pelo dicionário, significa ‘fusão de dois ou mais elementos antagônicos em um único elemento’. O termo “Processo Sincrético” vem como sinônimo de celeridade, de clareza e automatização da execução nos procedimentos de natureza mandamental e condenatória. Tanto a fase de cognição quanto a fase de execução se realizam no mesmo processo, permitindo que a execução da sentença seja acompanhada pelo mesmo juiz, conhecedor da causa e que esta se dê com mais garantia, tendo em vista sua rápida realização.
Sobre este tema, citamos Carreira Alvim, em sua obra “Alterações do Código de Processo Civil”:
“O sincretismo processual traduz uma tendência do direito processual, de combinar fórmulas e procedimentos, de modo a possibilitar a obtenção de mais uma tutela jurisdicional, de forma simples e imediata, no bojo de um mesmo processo, com o que, além de evitar a proliferação de processos, simplifica e humaniza a prestação jurisdicional”.
Cumpre salientar que, uma das mais impactantes alterações foi aquela trazida pela Lei 11.232/05, que alterou o conceito de sentença, modificando o artigo 162, §1º do Código de Processo Civil:
      Art. 162. Os atos do juiz consistirão em sentenças, decisões interlocutórias e despachos.
      § 1º. Sentença é o ato do juiz que implica em alguma das situações previstas nos artigos 267 e 269 desta Lei.
A antiga concepção de sentença punha fim ao processo, resolvendo o mérito e, em se tratando de sentença mandamental ou condenatória, a parte vencedora promoveria uma nova demanda, desta fez de cunho executivo.
Observa-se ainda o caput dos artigos 267 e 269 do referido diploma legal:
Art. 267. Extingue-se o processo, sem resolução de mérito:
[...]
Art. 269. Haverá resolução de mérito:
Em razão da alteração no conceito de sentença, tais dispositivos legais foram igualmente modificados no que se refere ao efeito da sentença, tratando agora da resolução de mérito no processo.
Considerando a ordem procedimental do processo sincrético, outras grandes inovações trazidas pela Lei 11.232/05 foram a inclusão de novos dispositivos ao livro que disciplina o procedimento ordinário, sendo elas a inclusão de regras sobre liquidação de sentença, considerando-a momento subseqüente à prolatação da sentença; e de disposições sobre o cumprimento da sentença. Somente esta modificação já seria suficiente para configurar grande reforma processual e engessar a idéia do sincretismo processual.
Sob a ótica de aplicador do direito, e considerando que tais alterações no sistema processual são relativamente recentes, cabem ainda discussões no que tange aos honorários no processo sincrético, novos princípios de direito processual, alterações no volume de demandas, entre outros temas. Por outro lado, vale ressaltar que o processo sincrético já tem satisfeito diversas demandas e consumidores do judiciário, haja vista a redução da espera na execução do direito já adquirido com a sentença e a visível garantia de celeridade processual e eficiência, princípios constitucionais de anterior difícil aplicação.