A interceptação telefônica e os equívocos mais comuns cometidos pelos agentes públicos nas investigações policiais - fatos reaisVoltar

11/02/2015

A Lei Federal nº 9.296/96, inaugurou um seleto modo de prova mais comumente utilizado pelos agentes da polícia estadual e federal no combate a diversos fatos ilícitos descritos nas normas jurídicas de cunho penal. Vale dizer, tal lei federal veio descrever com minúcias aspectos nítidos de cuja permissão havia sido instituída pelo  art. 5º, XII da nossa Constituição Federal.
A regra é e será sempre a inviolabilidade do sigilo das correspondências, comunicações telegráficas, de dados e, sobretudo, telefônica, modo esse que iremos mais detidamente tratar nesse breve espaço.
Nossa pretensão de forma alguma será a de esgotar o tema, tampouco elaborar nesse espaço todo o conteúdo trazido na lei em comento.
Através de alguns trabalhos, fruto de muitas horas de esforço apresentamos abaixo os equívocos mais comuns que ocorrem nas investigações policiais fruto da prova colhida por meio de interceptação telefônica, uma das modalidades que a Lei 9.296/96 regula ao tratar da quebra do sigilo telefônico.
Insta frisar, porém, que o presente trabalho é apenas uma compilação desses. Não ousamos afirmar que, necessariamente, todos esses erros – o que redunda na ilegalidade - podem existir concomitantemente numa investigação, inquérito policial ou ação penal. Sem dúvida que não, pois, é sabido que, no popular, “cada caso é um caso”. Nosso trabalho se prestou apenas a elencar os equívocos ou erros mais comumente existentes nas investigações de que tomamos ciência, fruto como dissemos alhures, de muita análise levada a efeito nas causas jurídicas de cunho penal ou em trabalhos em regime direto com o pleito.
De início, deve-se ter em mente que a interceptação de conversa produzida telefonicamente é matéria circunscrita à Prova, embora somos partidários da tese segundo a qual não se deve manejar acusações somente sopesadas nessa espécie de prova. O “ouvi ele dizer” não se presta a condenar ninguém que seja.
O regramento processual dessa matéria encontra-se descrito no Código de Processo Penal, Título VII, Capítulo I, em seus arts. 155 a 157.  Vicente Greco filho perfila a idéia de que o produto da interceptação telefônica tem função similar ao “corpo de delito”, e, por conseqüência, deve-se passar por perícia técnica.
Assim sendo, colocada a questão em função da Prova, passamos abaixo a elencar os equívocos mais comuns nas investigações policiais onde a interceptação telefônica é conceituada.
1º. O “Alvo”.  Denomina-se “Alvo”, como o nome já diz, aqueles sobre os quais a interceptação recai; onde efetivamente as investigações são focadas e produzidas pelo agente policial. É o sujeito ao qual os requerimentos da autoridade policial ou ministerial ao juiz é apontada a autorização de interceptação. Tal investigação, para ser considerada legal e, portanto, em obediência às regras processuais e legais conferidas pela legislação da espécie, deverá a autoridade comprovar junto ao termo de interceptação a forma pela qual ocorreu a coleta de dados em todos os procedimentos relacionados ao “Alvo”. Não havendo nos autos, a comprovação do modus operandi pelo qual o agente público – delegado, agente policial ou promotor investido – procedeu quanto à coleta dos dados do investigado, tais como o nº de seu telefone a ser interceptado, nome completo, profissão e domicílio, restará frágil a prova produzida. Lembrando, ainda, que são as operadoras de telefonia que devem informar ao juiz, a pedido do agente policial ou órgão ministerial, todos os dados corretos desse pretenso “Alvo”, através de ofício dirigido, respondido e juntado aos autos, todas as informações relacionadas ao mesmo. Tudo isso deveria conter no pedido de interceptação, sobretudo porque o parágrafo único do art. 2º da Lei 9.296/96 exige.
Entretanto, assim não ocorre, ficando no mínimo nebuloso o procedimento de coleta e investigação. A comprovação dessa (coleta) e a forma pela qual foi obtida a prova é matéria que deve estar cristalizada em qualquer processo, mais ainda o criminal. Nos processos criminais não pode haver a juntada de informações relacionadas a intimidade do investigado como “num passe de mágica”. A autoridade policial deve comprovar ao juiz a sua investigação e o modo de como chegou até o investigado, circunstâncias que elavam a considerá-lo legalmente como “Alvo”. ,
2º. O chaveamento da operadora de telefonia. Para se efetivar a interceptação, as operadoras de telefonia devem dispor de um mecanismo de chaveamento onde ocorre o desvio das ligações para um terminal de acesso. Geralmente, tal informação também vem acompanhada de ofício – ou deveria. Se as operadoras devem verter a chave de comando desviando-a para a autoridade pública efetuar a investigação, é notório que tal comunicação deve ser comprovada aos autos, através da resposta do ofício judicial. No entanto, o que temos visto são interceptações onde o ofício simplesmente “sai” dos autos e não retorna, não sabendo o defensor ou o juiz identificar se realmente foi a operadora de telefonia quem efetuou o desvio da chave ou o produto da escuta foi produzida de outra forma., o que acaba burlando a lei de regência da matéria. Tal circunstância, como dito, pode ensejar a infringência ao comando do art. 5º, da CF e o parágrafo único do art. 2º da Lei 9.296/96, sujeitando-se essa prova à sua nulidade.
3º. A falta de resposta das operadoras no tempo, forma e lugar é outro grande equívoco. Como sabemos, a interceptação telefônica somente pode ser autorizada por ordem judicial, circunstância exigida pelo art. 3º da Lei 9.296/96. A decisão é sempre judicial. Mas o que o juiz também deve fazer é apontar a forma pela qual a interceptação será feita. Quando dirigida as operadoras de telefonia, geralmente é determinado o tempo, forma e lugar que deverá ocorrer a interceptação. Tal determinação representa a “alma” dessa prova, todas as circunstâncias e condições que são definidas pela Justiça no procedimento de interceptação. Como essas interceptações são determinadas pelo prazo 15 (quinze) dias, cumprindo a determinação do art. 5, da Lei 9.296/96, eventual prorrogação pelo mesmo período deve ser comprovada com a juntada aos autos da indispensabilidade dessa medida, no prazo máximo estipulado pelo juiz.
Mas o que temos visto são prorrogações onde, mais uma vez, as operadoras são comunicadas por meio de ofício, mas não retornam a tempo, deixando uma espécie de “vazio” na interceptação. Esse vazio muitas vezes tem sido ignorado pela autoridade policial, o que decorre na conclusão a qual a forma dessa prorrogação não foi plenamente satisfeita, o que inviabiliza, no mínimo, parte da interceptação como prova lícita. As operações técnicas devem ser atribuídas às concessionárias de serviços de telefonia, o que visará maior segurança e credibilidade no procedimento. O detalhe às datas é imprescindível e o que temos notado é um sem fim de erros que acabam viciando a prova ocasionando ilegalidade no processo.
4º. O conteúdo da interceptação. A lei em comento confere em seu art. 6º a possibilidade do conteúdo da interceptação não vir acompanhada de gravação. Mas, quando a diligência possibilitar a gravação, essa deverá vir com a transcrição, vide parágrafo 1º do art. 6º da Lei 9.296/96. Também é de se olvidar que todo o conteúdo relativo à interceptação deve ser juntado aos autos através de auto circunstanciado. Na prática, porém, o que se tem notado é que o auto circunstanciado vem ao processo recheado de conjecturas, deduções da autoridade policial, resumo da conversa, interpretação ou conclusões relativas ao estado do investigado. Tais transcrições são frutos de caráter subjetivo do intérprete ou do analista dos diálogos das escutas telefônicas relativas ao investigado, apresentando quadros acerca das “análises” ou dos “entendimentos pessoais” conferidos ou externados pelo “intérprete” (ouvinte) das escutas telefônicas, e que, por certo, não foram copiados na íntegra. Todo esse procedimento da autoridade policial ao formular o relatório fica à margem da ordem jurídica em vigor, porque, na dinâmica da tramitação, não se observou a previsão legal, cf. § 1º, do art. 6º, da Lei nº 9.296, de 1996. E quase na esmagadora maioria das interceptações o conteúdo ao qual temos tido contato nos autos circunstanciados representa um verdadeiro festival de entendimentos pessoais, opiniões – ou ”chutes” --- da autoridade policial. Isso, verdadeiramente é um fato que a lei não empresta a mínima legalidade!
5º. A degravação. Ai está um tema que gera enorme discussão. Muitos juízes entendem desnecessária a degravação do conteúdo das conversas telefônicas. Entendem que a mera transcrição dos trechos já é a suficiente prova de materialidade e autoria do investigado. Ledo engano. Primeiro, a degravação consiste na transcrição literal daquilo que foi objeto de escuta. A degravação é importantíssima no processo penal. Degravar é transcrever os diálogos in natura, não podendo chamar de “degravação” as “avaliações” ou “entendimentos pessoais” do intérprete das escutas entre os interlocutores, fazendo-se, inclusive e se necessário, o n° do registro, início e término das conversas e o tempo de duração dos diálogos, impondo a necessidade da realização de um Laudo Pericial, o que muitas vezes não ocorre no processo, devendo ser elaborado por Perito Especialista em fonoaudiologia, fonética ou califasia com qualificação para tanto, tudo para que se cumpra a licitude da prova bem como a observância do devido processo legal, da ampla defesa e do princípio do contraditório, de acordo com o disposto no art. 159, p. 3º e 5º, do CPP. Mais, devem esses diálogos estarem completos, em toda a sua extensão, e relacionados à todos os períodos contidos na decisão que determina a período da interceptação. Qualquer avaliação, comentário, interpretação ou mesmo conjecturas recheadas de símbolos ou abreviações não poderão ser aceitas como meio de prova legal, pois não representam de forma alguma aquilo que exatamente foi dito. Tampouco poderá o diálogo apresentar apenas “partes” da fala, desprezando o contexto em que a conversa se deu ou foi mantida pelo investigado. Despiciendo dizer, conforme atesta Vicente Greco Filho, que a degravação da interceptação telefônica representa o corpo de delito e como tal, deve ser indispensável a sua transcrição: “A transcrição integral das gravações é essencial à consideração das peças como provas, não somente porque transcrições parciais podem dar a entender situações e fatos diferentes, mas também porque não representam a realidade do aparentemente revelado. Ademais, a transcrição integral é o corpo do delito deve ser objeto de perícia oficial e não pode ser parcial, “censurado” ou “escolhido”, sob pena de violação da exigência legal do exame de corpo do delito com a conseqüência de nulidade do processo.”
Por fim, importantíssima questão, aliás, causa da mais frequente ilegalidade é a utilização de conversas de pessoas não investigadas que mantém contato telefônico com o “Alvo”. Essas são, inexoravelmente, grampeadas. Vezes há que a conversa mantida com o “Alvo” e o até então “não investigado” interessa a autoridade policial. Ocorre que a autorização para a interceptação não “acolhe” a fala daquele “não investigado”, sendo pois, imprópria qualquer imputação futura contra o esse tendo como base o produto da interceptação que, contra ela não existia. É o chamado encontro fortuito de provas. A matéria é muito controversa. Há quem admite o uso como meio de prova se o conteúdo da interceptação estiver relacionado a algum crime relacionado ao envolvimento do investigado, aquilo que a doutrina conceitua como crimes conexos. O STF já decidiu questão similar, conferindo licitude a prova obtida mediante escuta telefônica que incrimina outra pessoa e não o investigando em cujo nome constava o telefone objeto de autorização judicial, vide HC 78.098/SC, Rel. Min. Moreira Alves.
Somos da opinião de que não se pode atribuir licitude a qualquer caso de prova pinçada em encontro fortuito, pela simples razão de que se fosse formulado pedido de interceptação segundo as regras constantes da Lei 9.269/96, certamente esse seria negado, ao contrário, se viesse ocorrer com o encontro fortuito, o que possibilita a burla a lei e as regras processuais vigentes.
No entanto, o que notamos nos processos onde há interceptação telefônica é, num primeiro momento, a conveniência de “esticar” a interceptação na pessoa estranha a autorização para, depois, requerer a quebra e a inclusão desse “não investigado” que passaria, após a autorização, a ser o novo “Alvo”, fazendo com a que aquele período anterior ao pedido ficasse legalmente válido a plenamente aceito como meio de prova, com os mesmos efeitos e condições anteriormente a da autorização. Para nós isso é uma completa ilegalidade, muito embora, não é o que acontece diariamente. No máximo aquele período fruto do encontro fortuito deveria ser aproveitado como notitia criminis[1], conforme opinião de Eduardo Luiz Santos Cabette, o qual fazemos nossa reverência.
Dessa forma, aos defensores cabe aplicar a incansável lupa numa mão e a legislação na outra para que fatos como esses aqui narrados não aconteçam ou, na eventualidade de assim ocorrer, lançarem mão dos recursos e remédios heróicos definidos em lei em prol de seus clientes visando a declaração de nulidade da prova no processo em que atuam.

[1] Interceptação Telefônica, Ed. Saraiva, Ed. 2001, pág. 98..