Dos contratos celebrados com deficientes visuais e da necessidade de perícia perante a justiça comumVoltar

19/08/2015

Para que um contrato seja válido, mister se faz a assinatura válida do contratante, onde deve exarar sua ciência de todas cláusulas. Ademais, a capacidade e incapacidade devem também ser levadas em conta.
 
A incapacidade jurídica está relacionada a falta de discernimento e lucidez para querer e entender, ou seja, impossibilidade de manifestar a vontade conforme a realidade. Para que se afirme que a pessoa portadora de deficiência é incapaz, deverá a mesma ser submetida ao regular processo de interdição, se for maior de 18 (dezoito) anos. A incapacidade somente poderá ser reconhecida judicialmente, tendo em vista que a regra é a capacidade.
 
O artigo 4º do Decreto nº 3.298/99 enumerou as categorias em que se enquadram os portadores de deficiências, destaque para o deficiente visual, "aquele que possui diminuição da acuidade visual, redução do campo visual ou ambas as situações". No entanto, como um deficiente visual pode contratar se não houver, por exemplo, um contrato escrito em braile? E no caso dos analfabetos?
 
Cada vez mais autores cegos - na maioria aposentados ou pensionistas, têm buscado os Juizados Especiais Cíveis alegando desconhecer descontos em seus contracheques.
 
Num caso real a que se faz referência[1], o réu, por sua vez, acostou aos autos os contratos supostamente assinados, sendo que inicialmente o autor alegou que era cego e tanto em seus documentos pessoais como no termo de audiência apenas constaram a digital e não uma assinatura.
 
Ao prolatar a sentença, o magistrado daquele juizado entendeu por extinguir o processo sem resolução do mérito, visto que se tratava de causa de maior complexidade, não amparada pelo Juizado Especial Cível. Em que pese o autor ter juntado aos autos um laudo médico sobre sua condição visual, este quedou-se inerte quanto ao provar o grau da cegueira e o momento em que a debilidade iniciou.
 
 Ao analisar as provas o juiz não conseguiu concluir com o grau de certeza necessário se os contratos juntados pelo réu foram assinados pelo autor, revelando imprescindível para o deslinde do feito a realização de perícia.
 
Após a análise do assunto em voga, a crítica fica não para a Lei nº 9.099/95 e seus princípios norteadores de celeridade, oralidade, economia processual dentre outros, mas sim, para a atuação de causídicos como no exemplo supracitado. Ações de maior complexidade que demandam provas específicas devem ser ajuizadas na Justiça Comum e não no Juizado Especial Cível.
 
Esse tipo de comportamento, além de cercear o direito de defesa da parte adversa, na medida em que não se pode realizar a prova pericial, fomenta a insegurança jurídica, o que não se admite, visto que a segurança jurídica existe justamente para que a justiça, finalidade maior do Direito, se concretize!
 

[1] TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO AMAZONAS. 4ª Vara do Juizado Especial Cível de Manaus. Ação de Repetição de Indébito nº 0601291-91.2015.8.04.0092. Partes: Juracy Pereira do Nascimento x Banco Industrial e Comercial S/A – BIC – BANCO. Juiz Jaime Artur Santoro Loureiro. Sentença. DJE 13/07/2015. Publicado em 14/07/2015.

Kênia Rafaele Figueira Ramos- Advogada da Área Bancária do Rayes Advogados